terça-feira, 3 de julho de 2012

“Falta a muitos líderes uma competência essencial: saber lidar com gente”

Entrevista Wagner Furtado Veloso, presidente executivo da Fundação Dom Cabral

À frente da Fundação Dom Cabral, Wagner Veloso tem como desafio encontrar o próprio substituto, capaz de trabalhar as diferenças individuais e extrair o melhor de cada profissional — uma delicada lição de casa

Quando o assunto é educação executiva, a Fundação Dom Cabral (FDC) logo vem à mente como produto de exportação do Brasil no segmento. Destaque em diversos rankings internacionais como uma das maiores escolas de negócios do mundo, a instituição mineira, autônoma e sem fins lucrativos, foi criada há 35 anos com objetivo de formar líderes para estar à frente das multinacionais que invadiam o país. Cerca de 200 mil alunos foram atendidos neste período e hoje 30 mil executivos frequentam as salas de aula da FDC. Mas, como diz o ditado popular, "em casa de ferreiro o espeto é de pau". O maior centro de formação de líderes do país acaba de encontrar um substituto para Emerson de Almeida, fundador e presidente, que deixou o cargo há três meses. Vinte profissionais de alto escalão foram cotados para assumir a posição. Mas o criterioso conselho curador da instituição nomeou o administrador de empresas Wagner Veloso, funcionário de carreira na casa, como presidente. E de antemão, seu principal desafio será encontrar o próprio substituto. Veloso diz que ficará à frente da escola o tempo que for. "Tenho 63 anos, a ideia é buscar uma pessoa mais nova que se mantenha no cargo por um longo período", afirma. Porém, ele já se deu um prazo para resolver a questão. "Eu acho que o tempo ideal de sair será antes dos meus 66 anos. Logo, tenho mais três anos para achar um sucessor", afirma Veloso, que pretende voltar a ter um cargo de coordenação ao final de seu mandato. A lista de exigências da FDC não é pequena. Ser funcionário é recomendável na avaliação de Veloso, mas imprescindível mesmo é a habilidade de lidar com pessoas. "O líder tem de saber integrar a equipe, gerir as diversidades. Trabalhar as diferenças individuais é fundamental para conseguir extrair o melhor de cada profissional. E além disso, ter humildade para poder olhar para dentro de si e ver o que não está funcionando", diz. O trabalho de Veloso é preparar a FDC para o futuro. "Em cinco anos, naturalmente vai dobrar de tamanho", garante ele. No ano passado, a receita operacional da FDC foi de R$ 159 milhões e deve alcançar R$ 193 milhões em 2012. Além de um gestor, será necessário aumentar a estrutura física. No Rio de Janeiro, será aberto dentro de três meses uma nova unidade, no Shopping Leblon. A escola de São Paulo também deve ganhar mais espaço e a empresa está ampliando os termos das parcerias com suas 18 escolas associadas, que agora podem prospectar negócios e fechar contratos. A FDC também está aumentando sua presença internacional, com objetivo de ampliar o intercâmbio com várias universidades em todo o mundo. Um exemplo disso é o 'Brics on Brics', programa desenvolvido com escolas da Rússia, China e Índia para discutir, do ponto de vista de gestão, as diferenças de administração entre estes países. O número de professores deve aumentar. A expectativa é que o quadro de 32 docentes exclusivos chegue a 50 nos próximos cinco anos. Mais uma tarefa difícil, já que a FDC é bastante criteriosa com seus contratados.

Regiane de Oliveira e Priscilla Arroyo
redacao@brasileconomico.com.br


O senhor está há dez anos na Fundação Dom Cabral. O Brasil mudou bastante neste período. O que mudou na demanda das empresas?

Não houve grandes mudanças. A principal carência continua ligada à gestão de pessoas, à formação de líderes. Essa é uma preocupação que sempre foi e vai continuar crucial. Não importa se o ambiente econômico está favorável, turbulento ou em contexto de crise. O foco das companhias é reter talentos e formar lideranças que tragam os resultados almejados.

Além de pessoas, o que é mais requisitado pelas empresas?

Cultura, estratégia e processos são muito procurados. Finanças também, mas as empresas usam os programas abertos da fundação, não pedem customização. Inovação é outra área com muita atração. A Fiat desenvolveu um programa de inovação todo baseado em trabalhos feitos com a FDC.

Qual o principal aspecto na formação de pessoas?

Formar um líder certamente é o principal. Temos muitos programas desenvolvidos com grandes empresas que têm este objetivo. Essa busca começa quando as empresas escolhem os profissionais que vão participar dos MBA [Master of Business Administration, na sigla em inglês]. As companhias selecionam os funcionários que têm potencial para liderança e mandam de quatro a oito pessoas, geralmente com idade entre 35 e 40 anos.

Que tipo de característica as empresas buscam no líder?
Saber lidar com pessoas é o principal fator. E partindo dessa premissa, o resto fica mais fácil. O líder deve aliar competência profissional com habilidade para lidar com a equipe.

Dito assim parece fácil. Mas por que as empresas têm tanta dificuldade em lidar com gente?

As pessoas de maneira geral são difíceis... O líder tem que saber integrar a equipe, lidar com diversidades. Trabalhar as diferenças individuais é fundamental para conseguir extrair o melhor de cada profissional. E humildade para poder voltar para dentro de si e ver o que não está funcionando. Quando estávamos em busca de um presidente para a FDC chegamos a avaliar mais de 20 nomes.

Mas, no final, o seu nome foi o escolhido.

Mas estou no cargo só até encontrarmos um novo presidente. Tenho 63 anos, a ideia é ter uma pessoa mais nova, que possa assumir a posição por um período maior. Hoje, sentado na cadeira da presidência eu contribuo para que o Emerson de Almeida se acostume com sua saída. Ele foi o fundador junto com Dom Serafim, que na época era reitor da Universidade Católica de Minas Gerais, onde a fundação nasceu. Sou a pessoa ideal para ajudar nesse processo, pois mantenho boas relações com ele e com a própria casa. Se o Emerson precisar de mim seis meses, um ano ou mais, estarei à disposição.

Como está sendo a transição?

Estamos em um processo de troca de diretores, o Emerson de Almeida saindo e eu entrando. Estou na presidência, mas já busco um sucessor. No ano passado tivemos uma mudança grande em nosso comando: eram três diretores e agora são oito. Esse é um conselho de administração provisório e que tem a função de preparar o terreno para a sucessão.

O senhor já tem algum nome?

Expandimos a diretoria com intuito de observar mais candidatos. Naturalmente os diretores são candidatos a presidente, mas não necessariamente o presidente tem que vir de dentro da instituição. Procuramos nomes fora também.

E qual o seu prazo para deixar o comando da FDC?

Eu acho que o tempo bom de sair será antes dos meus 66 anos. Hoje estou com 63. Logo, tenho mais três anos para achar um sucessor. A vantagem da FDC é que você 'sai, mas não sai'. Não existe 'promoção para baixo'. Simplesmente um gerente de projeto pode ser professor e o professor pode ser gerente de projetos. Eu gosto de trabalhar na fundação, não me vejo fora da entidade.

O que o senhor fará depois?

Eu quero ser professor coordenador técnico do Programa Parceiros para Excelência (Paex), porque é uma riqueza tremenda conviver com donos de empresas de médio porte. Poder ver as diferenças de cultura do Nordeste, do Sul do país. Isso para mim é qualidade de vida pessoal e profissional. Não tenho mais essa vaidade de ser presidente, que eu tinha aos 45 anos. Ser presidente é uma coisa que alguém tinha que fazer. Mas estamos preparando a estrutura para o futuro. Porque em cinco anos a FDC naturalmente vai dobrar de tamanho.

A internacionalização será importante neste processo? Nós temos hoje 10% da operação em outros países. A meta é alcançar 20% em cinco anos. A internacionalização é muito importante para saber o que acontece fora do país e trazer esse ponto de vista para o nosso mercado. O nosso principal produto é o Paex, que foi desenvolvido em 1992 para atender à demanda dos empresários que se sentiram ameaçados na época da abertura comercial do Brasil. Foi com ele que iniciamos a nossa expansão fora de Minas Gerais e hoje atendemos 440 empresas. E agora está presente também na Argentina, Chile, Portugal e Paraguai.

Qual a outra estratégia para ampliar os negócios fora do Brasil?

A nossa outra iniciativa é seguir os nossos clientes. Se a Vale vai para a África, vamos com ela. Recebemos vários convites de escolas de lá. E está dentro da missão da FDC contribuir para um mundo melhor. Também atendemos clientes já estabilizados lá fora. No caso de uma multinacional, fazemos um programa customizado e prestamos assessoria através de parcerias com universidades estrangeiras. Nesses moldes já elaboramos projetos para a Siemens e a Tap.

Como o senhor avalia o nível de internacionalização das empresas brasileiras?

Eu vejo como uma oportunidade na defesa do próprio mercado. Empresas que não estiverem atuando em nível global certamente serão atacadas. O risco é ser comprada. O mercado brasileiro é tão grande que é suficiente para a sobrevivência das companhias. Mas quem não se atualizar globalmente acabará morrendo. E para se defender, vejo que elas estão atacando.

Qual o benchmarking da FDC?

Nós buscamos observar escolas do mundo inteiro. Fizemos parcerias com escolas francesas, americanas. Hoje as escolas espanholas mostram um desenvolvimento muito grande e temos conversados com eles. Mas procuramos criar algo também, para ser o que existe de melhor fora desses países.

Por exemplo?

Estamos desenvolvendo um programa desde o ano passado com uma escola russa, a Skokovo, a Cheung Kong, da China e a indiana Ilma. Ele foi batizado de 'Brics on Brics' e o objetivo é discutir, do ponto de vista de gestão, quais as diferenças de administração entre estes países. Esse é um programa que não passa pelo modelo americano. Temos troca de alunos e professores entre as escolas.

Como foram as negociações para chegar ao programa?

Desenhar o programa não foi fácil. Esses países têm muitas diferenças. A coordenação é da FDC, que teve a iniciativa, apesar de não termos preocupação em ser o líder. Mas foi um sufoco, três anos de negociação, e sempre tinha uma escola que discordava de alguma coisa. Mas conseguimos e já estamos na segunda turma.

Como funciona o programa?

Cada escola tem a obrigatoriedade de colocar 10 alunos no Brics on Brics. Se não cumprir a cota, a escola paga a diferença. O custo é de US$ 25 mil por pessoa, fora as despesas de deslocamento. Os alunos passarão uma semana em cada país em épocas diferentes do ano.

O senhor comentou que o objetivo é fazer com que os cursos internacionais representem 20% da receita da FDC. Hoje qual é o carro-chefe?

O carro-chefe sempre foram os programas customizados, voltados para atender às demandas das grandes empresas. Atendemos em média 150 companhias com dois programas cada uma por ano. E cerca de 45% da nossa receita é proveniente destes programas. Outros 30% vêm de programas de pós-graduação. Especialização e MBA representam 15%, e o restante vem de programas abertos, como finanças ou gestão avançada, por exemplo.

A FDC tem bastante foco nas grandes empresas. Como é o atendimento às médias?

Conseguimos atender às empresas de porte médio através da formação de um consórcio, que geralmente agrega no máximo 12 companhias. Assim, cada empresa paga em média R$ 10 mil, quantia que possibilita a elaboração de um grande projeto. Como complemento, acompanhamos a evolução da gestão mensalmente e escolhemos dois aspectos da administração para serem trabalhados durante todo o ano, como produção, processos ou pessoas. O planejamento é desenhado para ser desenvolvido em três anos, com o objetivo de preparar a empresa para que ela seja totalmente independente.

Os programas customizados significam que as empresas realmente assumiram a função de formar seus colaboradores?

Sim, mas não só as empresas estão preocupadas com isso, os profissionais também estão. As pessoas pagam R$ 15 mil por um programa anual de especialização, o que é alto, porque sentem que é importante na hora de buscar trabalho. A expansão do acesso ao ensino superior foi muito boa, mas estamos sofrendo com a questão da qualidade. As pessoas saem da escola já buscando algo para se fortalecer. A demanda por cursos de especialização de 360 horas hoje é maior do que podemos atender.

É diferente trabalhar com o público da chamada Geração Y?

Essas pessoas buscam as mesmas coisas da geração anterior, os resultados. Talvez com um pouco mais de ansiedade. Trabalhar liderança com eles é, em primeiro lugar, lapidar o jeito de ser, explicando que a ansiedade é muito importante para alcançar resultados, mas muitas vezes deve ser contida. A FDC aprendeu a lidar com esses anseios. Oferecemos um programa específico com carga horária de 60 horas para atender esses jovens logo após a graduação. Durante este programa, temos notado que o desejo da geração Y não é trabalhar para uma grande empresa, e sim desenvolver o próprio negócio. De olho nessa demanda, devemos lançar no ano que vem um MBA especialmente voltado para o empreendedor da nova geração.

E quais são os empreendedores da antiga geração que passaram pela FDC?


Muita gente. Cledorvino Belini, presidente da Fiat, por exemplo, já está conosco há dez anos em um programa de ensino avançado e a Fiat continua pedindo novas turmas. O Ricardo Vescovi, CEO da Samarco, deve ter feito todos os nossos programas. Ele também atua como palestrante em um programa de inovação que fizemos para a área da mineração, que recebe gente do mundo inteiro. Também tivemos Pedro Passos, sócio-fundador da Natura, Renato Alves Vale, diretor-presidente da CCR, o ex-ministro Luiz Fernando Furlan, só para citar alguns exemplos. O interessante é que essas pessoas hoje são os que mais compram os cursos.

Por que um alto executivo de uma grande empresa escolhe fazer um curso de MBA aqui no Brasil e não lá fora?

Temos vários fatores. A questão do deslocamento, o custo menor, são alguns. Quando a empresa encontra aqui a mesma qualidade que tem lá fora, ela prefere que o executivo não viaje. Só no MBA temos cinco turmas por ano de 250 pessoas cada. Temos alunos da IBM, que é norte-americana, alunos da Volkswagen, que poderiam estudar na Alemanha. E os rankings internacionais ajudam bastante, porque 80% da nota é dada pelos clientes.

No ranking da América Economia, a FDC é o primeiro da América Latina e no do Financial Times perdeu posições neste ano. O que aconteceu?

Neste ano ficamos em 8º lugar no ranking de melhores escolas de negócios do mundo do Financial Times. Em 2011, ficamos na 6ª posição. Nós perdemos duas posições, mas achamos que isso será naturalmente absorvido pela fundação. Nossa meta é nos mantermos entre as dez maiores, porque a distância de pontuação entre essas instituições é pequena.

O senhor comentou no início que em cinco anos a FDC naturalmente vai dobrar. A empresa terá que aumentar programas, como MBA?

Na verdade, não temos planos de expandir alguns programas. O MBA precisa de estrutura e professores. Não é simples, temos de ter capacidade de entrega. A tendência de crescimento é que as parcerias com médias empresas (o Paex) ultrapasse os programas customizados. Podemos chegar a mil empresas. Atualmente já atendemos 440 companhias. Mas primeiro precisamos atender nosso padrão de qualidade.

A FDC terá de aumentar espaço físico?

Em alguns locais sim, como São Paulo, onde já queremos mais andares no prédio em que trabalhamos na Vila Olímpia. Em três meses vamos abrir uma unidade no Rio, no Shopping Leblon. Mas não precisamos de muita estrutura física. Contamos com 18 representantes em todo o país. E tirando alguns estados do Norte, como Acre e Amapá, ainda falta chegar no Pará, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte.

Como é dividida a receita da fundação entre os estados em que atua no país?

Ainda é um pouco desproporcional, pois 75% da receita é obtida em São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, onde temos sede própria. Fizemos uma mudança no ano passado com as escolas associadas e eles podem prospectar novos negócios e fazer contratos. A JValério, de Curitiba, prospectou um programa grande da Volvo. Isso está começando a acontecer e acho que a receita vinda de nossas três principais praças deverá cair para 60%. Os negócios internacionais representarão 20% e o setor público os 20% restantes.

Qual a principal diferença em atender ao governo e a uma empresa privada?

É mais fácil vender para o governo, já que as compras são volumosas. Se ficarmos só com o governo, não conseguiríamos atender nosso cliente tradicional. Nós trabalhamos com um tíquete médio por empresas da ordem de R$ 300 mil. O governo compra R$ 2 milhões, R$ 3 milhões. A Polícia Militar de Minas Gerais nos procurou para fazer um programa de treinamento. Eles têm 44 mil funcionários efetivos e 22 mil aposentados. Se formos atendê-los, teremos de fechar a fundação só para isso.
 
FONTE: Brasil Econômico - (Press Clipping FENACON - 03/07/2012)

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